Eu agradeço muito por seu texto, Thiago, sobre um suposto poder que teriam, os meus versos, de ressignificar as vidas de quem me lê. Um carinho que me deixa mesmo feliz e eu tento deixar que apenas a moça Fulana se emocione e explore suas próprias emoções neste blog, mas aí acho que estaria seguindo os planos de minha amiga bela Renata Belmonte, mas, é mesmo impossível, quando o material é feito das mais descabidas confissões, é mesmo impossível não criar uma espécie de máscara, uma personalidade qualquer que trabalhe uma emoção ou uma vida que é apenas minha, mas dela faça outra coisa (e aqui já entra a fala perspicaz do Ronaldo sobre os meus textos)... E isso já existe desde Ritos de Espelho. Há uma outra criatura, minha sombra talvez, que manipula os materiais que encontra dispersos nessa bagunça bem esquisita de ser alguém, de ser mulher, de ter 20 e tantos anos, de ser tantas expectativas, de ser cada coisa que amigos, desafetos e desconhecidos enxergam como uma figura real, e que não é menos real que ter nascido menina, numa manhã de quinta-feira, primeiro de março, no subúrbio do Rio de Janeiro, em pleno calor, gordura e vidinha "marromenos"... É minha vida, mas já é uma outra coisa que eu nem mesmo vivi, que já é completamente diferente e aí já é Fulana quem toca, quem experimenta, quem forja, quem manipula, quem joga ... e foi o Drummond quem me ofereceu esse meu Golem, essa Fulana, saída de uma ópera ou de um teatro barroco, que a tudo exagera e devora e rasga... Conversas sobre escritas, aparições, encontros e farsas que sempre tenho com Renata Belmonte e Vanessa Buffone, e concordamos que nunca sabemos o que foi verdade e o que foi só mais um embuste dessa coisa estranha de se existir num corpo único e numa única história que se diversifica em versões tão contrárias, como numa sala de espelhos ou numa casa de palavras...
E Fulana diz mistérios,
diz marxismos, rimmel, gás.
Fulana me bombardeia,
no entanto sequer me vê.
..
E sequer nos compreendemos.
..
Mas Fulana será gente?
Estará somente em ópera?
Será figura de livro?
Será bicho? Saberei?
..
Fulana às vezes existe demais;
até me apavora.
Vou sozinho pela rua,
eis que Fulana me roça.
..
Olho: não tem mais Fulana.
Povo se rindo de mim.
..
Fulana é toda dinâmica,
tem um motor na barriga.
..
Fulana, como é sadia!
Os enfermos somos nós.
..
(O Mito, Carlos Drummond de Andrade)
Eu só tenho a agradecer aos que lêem o que mostro por aqui.
Inaê Sodré no recital Fêmeas, Teatro Sesi, 2007
foto: Wagner (Pyter)